27 fevereiro 2011

Dias de gata borralheira



O looooongo período sem secretária em casa, filhos, amigos dos filhos e marido, de férias; quase pirei prá dar conta de todos os afazeres, todo esse tempo a la doméstica, papel que detesto, pois suga completamente minha energia física, mental, e criativa. Me sentia a gata borralheira encarnada. A madrasta malvada era a família que não colaboravam em nada, só sujavam e bagunçavam. Quando surgia um convite especial eu conseguia me rever, corria ao salão de beleza e aí, me tornava como num passe de mágica, a cinderela. Mas, como no conto; o tanque, a pia, o fogão, a vassoura, etc, etc desmanchava a produção rapidinho. Gente, pareceu-me uma provação, pois não conseguia encontrar alguém prá trabalhar em minha casa por mais que eu procurasse desesperadamente. E os meses se arrastaram sem que eu avançasse com meus trabalhos no ateliê. Sonhava dia e noite com tantas peças me aguardando para serem executadas e mais o projeto de uma loja em Arraial D´Juda. A minha mente, um verdadeiro caldeirão em ebulição, meus neurônios queimavam e queimava tbm  as panelas, além de esquecer outras coisitas mais da rotina doméstica rsrsrsrs.

As vezes baixava uma grande deprê, então fugia pro ateliê que fica longe da minha casa e lá conseguia relaxar. Trazia trabalhos manuais prá casa; tirava moldes, fazia tingimentos à noite, fim de semana, feriados; bordados eram feitos na frente da TV vendo a novela. As pesquisas na internet que tanto amo, eram disputadas entre os filhos e olhe que são 02 PCc´s, mas, não abro mão das minhas horas de terapia na net.
Graças a Deus consegui esta semana uma pessoa. Enfim, estou de volta ao que mais amo fazer e ao meu pequeno embrião, onde a máquina, tecidinhos, tesoura, linhas, agulhas, etc, etc me realizam tanto. O espaço ainda uma bagunça por enquanto tá mais para um depósito de tudo que não quero jogar fora. Mas, em breve darei-lhe  a cara de ateliê. 

Os tecidos, tantos que me deixam ansiosa
Várias bolsas cortadas, aguardando  um tempinho

17 fevereiro 2011

A COSTUREIRA

Extraído do livro Mulheres de aço e de flores - Pe Fabio de Melo

Ando tão apertada de costura que se o dia tivesse vinte e cinco horas ainda sobrariam três ou quatro botões para pregar. Essa vida anda depressa demais. 
Quando menos imagino, o dia já se foi, esse desaforado!
Vivo para ajeitar as mulheres. Prepará-las para ocasiões. 
São jantares, casamentos, formaturas. Vivo para ajudar a esconder os defeitos. 
A gordura localizada, a estria, a celulite. Em situações mais raras, saliento as virtudes.
Adelaide Moura não costura com nenhuma outra pessoa porque só eu sei esconder aquele culote. Branca Rodarte não dá um passo para fora de casa se a roupa que estiver 
vestindo não tiver saído da minha máquina. 
É quase uma ciência a forma com que disfarço a sua falta de seios. Um enchimento aqui, outro enchimento ali. O tecido socorrendo a ausência de carnes. 
O que falta em umas sobra em outras. Lídia Boaventura costura comigo por uma razão contrária à de Branca, nela, a natureza resolveu sobrar generosa. 
Cores e tecidos a serviço da ação clandestina. Mundo esquisito, meu Deus!
Helena Sobreira não sabe o que fazer com tanta carne. A única cor que lhe cai um pouquinho melhor é o preto. Parece uma viúva eterna.
Eu me exercito no ofício de costurar tecidos desde os dezesseis anos de idade. 
Herdei o dom de minha mãe, que por sua vez herdou o dom de minha avó. Uma ancestralidade! 
Fazer roupas é um jeito de ver os bastidores dos acontecimentos. 
Enquanto todo mundo vê a roupa por fora eu vejo é por dentro, nos seus avessos. 
O que vejo do tecido é sua sustentação primeira, sua trama.
 Um tecido só é bonito de verdade à medida que possui um avesso que o sustenta.
 A beleza externa só tem sentido porque há um alicerce no contraponto. Interessante, mas as pessoas são semelhantes aos tecidos. Se não há uma trama de sustentação não há beleza 
que possa sobreviver aos desmandes do mundo.
Rosélia Adamastor nunca foi feliz. Talvez tenha sido a mulher mais bela que a nossa pequena cidade tenha conhecido. Mas a sua beleza não repercutiu na sua alma. Não foi o suficiente para lhe fazer feliz. Faltou um avesso de tramas resistentes. É estranho. 
Já Eliodora Fernandes sempre foi de uma feiúra de dar dó na gente. Mas o interessante é que nunca faltou um sorriso naquela criatura. O avesso foi bem feito.
Mulheres por dentro e por fora. Mistérios que me despertam coragem para continuar costurando. 
Minha máquina é minha realidade. É dela que parto para os meus sonhos. 
O que materialmente corto, ajunto e costuro, de alguma forma repercute dentro de mim. Eu toco constantemente os bastidores da vida. E é a partir desses avessos que construo pontes que me levam para outros mundos.
Eu costuro a realidade com linhas de sonhos. Imagino. 
E no ato de imaginar sou retirada para dançar, repito a sobremesa, comento a elegância dos adornos; troco olhares com o garçom. Rodopio enquanto danço pelo salão; recebo elogios pela escolha do penteado, a seda do vestido. 
Tudo isso sem sair de minha máquina. As linhas que entrelaçam os tecidos suturam o meu coração a realidades inexistentes.
E por isso sou especialista em ver além das aparências. 
Sei do que os tecidos são capazes e as viagens que proporcionam. Se não tivesse essa habilidade não me restaria muita coisa. A vida na castidade, o corpo preservado, as pernas sem destinos, os cabelos sem fitas, o pescoço sem colares. vida na mais perfeita e absoluta normalidade. Nem um risco no calendário, nenhum dia convidado a sair do esquecimento; nenhum convite pregado na geladeira, nada que anuncie um sábado com aspecto de primavera: horário marcado no salão, atenção especial para um corte de vestido, retoque de tinta no sapato de ocasião.
Eu viajo é nas cores dos tecidos. Quilômetros e quilômetros de linhas me levam pelo mundo afora. 
O meu porto é a minha máquina. Nela eu sacramento partidas que não terminam nunca.
Aprendi muito cedo que o sonho é mais que a realidade. No sonho, o cruel se desfaz com a mudança de foco.
É simples. É só deixar de pensar. Se a paixão não convém é só trocar a cara. Fácil de resolver. A imaginação permite retoque, mudanças constantes. De Belo Horizonte a Paris eu levo um segundo. Não pago passagem, nem tenho problema com excesso de bagagem. Eu vou leve. Esqueço as roupas. Volto pra buscar. Troco a cena. Mudo o clima. Faço vir a chuva para dormir logo. Solicito o sol para o meu mergulho e imagino a neve para amenizar o calor. Acendo lareiras nas noites frias; encontro a promissória perdida; ganho na loteria, e divido o prêmio com os pobres.
Na angústia, adio a decisão. Na agonia, antecipo o fim. Na alegria, eu prolongo o início. 
O tempo não tem poder sobre minha velha máquina de costura. 
Ela o desafia constantemente. Desafio que demonstra intimidade, parceria. 
Minhas pernas não andam, mas chegam. Chegam aos lugares que aos sonhos pertencem.
O homem amado, o amor miúdo de toda hora, a espera no portão, o medo de que ele se atrase e que desista por vergonha, que não mande recado. Medo de que a espera fique superior ao tempo reservado para as esperas que se confundem com a alegria.
A casa sem número ainda em construção. A planta discutida; o desejo partilhado de uma varanda que nos proporcione uma visão do outro lado da rua. O lugar não habitado, clandestino, iluminado por um poste de madeira. Os insetos voando em movimentos circulares, tais como os amantes ao redor de suas esperanças. Coisas pequenas que nos fizessem reviver os encantos dos tempos já idos, vividos, ancorados nos porões da memória, dos dias em que a vida era acontecimento certo, rotina garantida, panos estendidos à espera de corte.
Eu não sei viver de outro modo. Quando quis a realidade, ocorreu-me a solidão e o despreparo. Vi o tecido da vida se desprender de minhas mãos, e com ele a minha habilidade. E naquele dia, o vestido de Eliane Vieira não ficou pronto a tempo da ocasião para a qual ela o havia solicitado.
O choro incontido o dia inteiro, a dor na alma, o inchaço nos olhos, a pouca visão. O fogão de quatro bocas.
Desde então, minha mãe iniciou-me no ofício de costurar tecidos. Ensinou-me os segredos das texturas e das cores. Foi com redobrada atenção que me ensinou a puxar da máquina, juntamente com as linhas dos carretéis, as linhas dos sonhos. Ela dizia: – Tem de enxergar o que a cliente quer! Ajude a transformar o sonho em realidade! –, insistia.
E foi assim que o sonho se tornou a minha realidade.
Quando minha mãe morreu, eu já acumulava 26 anos. 
Ao chegar em casa, depois do sepultamento, entrei em seu quartinho de costura. Ainda havia carretel de linha colocado na máquina. Um pedaço de tecido azul marinho estava cortado, pronto para a costura. Um outro pedaço de tecido branco estava riscado como detalhe para a gola, pronto para o corte. Um paletó de mulher, eu percebi. O paletó que estava fazendo para ela mesma. Os aviamentos; pequenas amostras de sianinhas estavam colocadas ao lado do tecido. Intuí que a escolha ainda não era definitiva. Dois modelos de botões também estavam reservados.
Já era fi m de tarde. A dama-da-noite começava a demonstrar que existia. Sentei-me na máquina e pus-me a fazer aquele paletó de mulher. Uma costura a quatro mãos. Mãos vivas, mãos mortas. O que ela havia começado eu resolvi terminar. Cumplicidade só possível aos que amam sem os limites do tempo. Um paletó que seria usado em ocasiões simples. Missa das 6 da manhã. Mesmo no verão o vento era frio naquela hora. Uma visita ao Santíssimo Sacramento nas noites de quinta-feira, ou até mesmo as pequenas comemorações do grupo da terceira idade.
Enquanto costurava, pude experimentar a minha dor com todas as suas conseqüências. – Já não há razões para este paletó! –, pensei. Já não há mais o corpo que iria vesti-lo. 
Os dois pequenos bolsos não aquecerão as mãos calejadas de tesoura e agulhas. As mãos desaprenderam de ser vivas. 
Já não movimentam o risco, o molde, o corte e a fechadura da porta.
Algumas horas depois escolhi os botões. Decidi com segurança pelo que tinha detalhes de flores delicadas. 
Senti me orgulhosa por conhecer os gostos de minha costureira favorita. Quando dei por mim a noite já estava avançada em horas. O tempo em que durou o meu ofício partilhado não pertenceu à natureza do tempo que passa. Pude notar em mim algo superior. A costura daquele tecido extrapolou a materialidade. Ela foi além. Atingiu também a minha alma. Costurou-me de forma definitiva às mãos que me fizeram mulher, ao ventre que me teceu para o mundo, o avesso de minha sustentação. Cumpri na minha carne o milagre bonito da continuidade, e por que não dizer, da ressurreição gloriosa.
Ao terminar o que ela havia começado, eu colocava os meus pés numa missão evangélica, semelhante à que os discípulos de Jesus precisaram cumprir para que o mestre não morresse na morte. Depois da pedra posta os passos precisam reencontrar a direção da vida. E foi o que eu fiz. O ritual de sepultamento terminou ali, na ressurreição que a máquina de costura me proporcionou.
Há coisas que a morte não sepulta porque pertencem à vida eternizada.  Minha mãe está em mim. 
Terminado o paletó, abracei-o e dancei com ele uma valsa de despedida e de saudade!




Apólogo "A Agulha e a Linha"

Esta estória traduz uma lição de vida, sobre a importância de cada um 


"Era uma vez uma agulha orgulhosa e um modesto carretel de linha que viviam numa cestinha de costura de famosa modista... "
A agulha de ponta afiada desafiou o carretel: -" Que fazes aí todo enrolado nessa linha inútil?" Ao que a linha protestou: -"Inútil, eu? Bem sabe dona agulha que sou eu quem junta as partes do tecido, as rendas e as fitas dos lindos vestidos que a modista costura." Orgulhosa de sua condição, a agulha responde: -"Oras, oras... não fosse eu ir na frente abrindo caminho, ponto por ponto..." O dedal, todo furado protestou: - "Alto lá! sem minha ajuda a senhora dona agulha ficaria espetada no tecido e não sairia do lugar!" A tesoura cortou a conversa: -"Que discussão tola!"
Enquanto isso a modista costurava, costurava... cantarolando. No fim do dia mais um lindo vestido de festa estava pronto. Cada um se achava mais importante que o outro ao ver a tarefa concluida. Chegou a dona do vestido e toda Feliz partiu levando o vestido novo.
O carretel que ficara calado em seu canto filosofou: - Cada um tem sua importância e função, completando as funções dos outros para a realização de uma grande e bela tarefa!
A vida é assim. Cada um tem a sua importância e valor.

04 fevereiro 2011

Gente que eu gosto…


Gosto de gente que é honesta de verdade,
e não apenas porque está sob olhos alheios.
O que não se confunde com santidade;
afinal, não confio em quem “aparenta” ser certinho demais o tempo todo.
Gosto de gente confiável,
com quem eu possa contar
e guarde meus segredos só para si.
Gosto de gente bonita,porque, me desculpem os feios, beleza é fundamental;
não a beleza puramente estética,
mas aquela que irradia de dentro para fora,
que faz o sorriso brilhar e o olhar reconfortar quem tá perto.
Gosto de gente de verdade, transparente,
que não se esconde atrás de máscaras sociais,que é o que é.
Gosto de gente sem frescuras, sem falsos pudores, sem hipocrisia.
Gosto de gente segura de si.
Gosto de gente de personalidade forte,
que tem coragem para enfrentar o mundo,
mas que sabe reconhecer seus erros e “dar o braço a torcer”.
Afinal, humildade é a chave que abre todas as portas.
Gosto de gente simples,
que não deixa o poder “subir à cabeça”;
gente que sabe respeitar seus iguais e principalmente seus subordinados.
Gosto de gente líder, não de gente chefe.
Gosto de gente que tá perto,
que faz de tudo para “romper as barreiras geográficas da vida”
e ter tempo para quem diz amar.
Gosto de gente que seja muito, que ame muito,
porque não me contento com pouco.
Gosto de gente realmente companheira, parceira,
porque apenas os títulos não me satisfazem.
Gosto de gente que ama, que ri, que chora,
que é feliz da vida, mas que tem seus dias de mau humor,
gente que vibra, que sofre, mas não se sente vítima da dor.
Enfim, gosto basicamente de gente como a gente,
que apesar dos pesares acredita que viver vale muito a pena.
Cirilo Veloso Moraes